Gerbulinho
fazia anos e o pai prometera-lhe que se rezasse direitinho, depois da
missa ia à feira comer pasteis. Os dias andavam nublados, mas
havia esperança naquele amoroso coração de pai
adotivo de que se cumprissem as promessas de padre Gelfrido do
nascimento do Sol da justiça, e que a justiça a fizesse
Deus e não os homens, pensava ele.
Depois
da missa, padre Gelfrido conversava com as pessoas ao lado da entrada
principal da pequena igreja. Um Cristo crucificado pelos homens
estendia os braços cheios de chagas aos cristãos que
entravam por aquelas velhas portas carcomidas pelo cupim. Gerbulinho
puxava o pai pela mão e como este demorava-se ao pé do
padre, o menino lembrou-lhe ao pé do ouvido que rezara tudo
direitinho e que agora era a vez do pastel. Tio Gerbúlio não
teve escolha, despediu-se do padre e de alguns amigos e rumou para
feira, sempre puxado pelo pequeno.
Jaca,
caju, caja, pêssego e até feijão de corda e carne
seca, de tudo vendia-se nas barracas a preços amargos e alguns
mais doces. Tio Gerbúlio, parando aqui e acolá,
cumprimentava os velhos conhecidos, pegava numa uva para
experimentar, apertava esta ou aquela fruta, mas sempre puxado por
Gerbulinho que só olhava adiante, procurando as barracas de
pasteis.
Finalmente
chegaram à barraca do chinês que era a predileta, pois o
pastel não era espremido e havia razoável liberdade
para se colocar o vinagrete, e podia-se comê-lo gostosamente
ali na rua. Um homem, muito gordo, que não deixava quase
ninguém enxergar o balcão procurava pelo vinagrete. O
chinês, do outro lado, falava agora com a mulher em sua língua
nativa, esticando muito as palavras. Um menino que atendia achou o
pote embaixo do balcão e passou para o homem. Outros fregueses
agora também o pedia mas quando o homem gordo o largou, o
chinês correu a escondê-lo de novo.
-Onde
está o vinagrete, gritou uma mulher?
-Acabou,
senhora!- disse o chinês.
-Mas
como, sem vinagrete não como pastel- disse Tio Gerbúlio
recebendo da chinesa os dois pasteis que pedira.
A
chinesa olhou para os lados e pegou o pote de vinagrete e antes que
ela o colocasse no balcão, o homem gordo puxou da mão
dela.
Neste
momento apareceu um fiscal e gritou para o chinês:
-Ô
china, o vinagrete está proibido!
-Mas
porque, perguntou uma mulher?-
-
É questão de saúde pública, minha
senhora.
-Da
saúde a gente trata é comendo- disseram atrás
dele.
A
mulher, ignorando as ordens, pegou o pote de outro freguês que
comia e foi despejando no pastel. O fiscal tentou puxar o pote, o
chinês tentou tomá-lo, na confusão alguém
empurrou o fiscal e a vasilha de vinagrete foi pelos ares,
esparramando-se sobre as pessoas.
O
fiscal, vermelho como pimentão, limpava os olhos na blusa e
disse em tom de ordem:
-Todo
mundo dessa banca me acompanha para a delegacia!
Neste
momento houve uma gritaria sem fim seguida de um corre-que-corre,
parecia o início de uma revolução- coisa na vila
jamais imaginada devido ao caráter ameno do povo. Tio
Gerbúlio, que segurava o pastel em uma mão tinha o
menino na outra. Gerbulinho, na agilidade dos que começam a
vida, agachou-se, passando por baixo da barraca de abaxi e o pai, sem
titubear, o seguiu, curvando as espinhas rígidas de sua
virilidade cansada.
Na
calçada, cortaram por trás da banca de jornal e fugiram
por um estreito terreno baldio que dava para a rua do bar.
Gerbúlio e o filho, de mãos dadas, entraram pelo quintal de casa com os
pulmões pela boca e sentaram-se na varanda, mas nem tiveram tempo de descansar. De dentro, veio a
mulher esbaforida e esbravejando:
-Onde
andavam vocês que não aparecem para o almoço?
Entrem logo que estou terminando o vinagrete.
Neste
momento, pai e filho se levantaram correndo e sumiram-se de novo pelo
meio da rua.
Jão Gerbulius Sobrinho
Elói Alves
Leia outras histórias do Tio Gerbúlio:
AS QUESTÕES OCULTAS SOB A LUTA PELOS 20 CENTAVOS DO TRANSPORTE PÚBLICO
O excesso de fé fez sobrar o vinagrete!! rs
ResponderExcluirLinda simbiose entre pai e filho! No detalhe que escapa sobre a adoção vislumbramos que o amor não brota da genética mas da alma em ebulição! Obrigada por me trazer os personagens que tanto aprecio! como sempre... enternecedor
Muitíssimo grato, Ira; beijos, amiga querida
ResponderExcluir