Riquíssima em possibilidades interpretativas e uma das músicas mais marcantes que retrataram as terríveis ações do regime ditatorial brasileiro, de 1964 a 1985, dirigidas contra aqueles que denunciavam seus crimes, “O bêbado e a equilibrista” foi composta por João Bosco e Aldir Blanc em 1979 e difundida nacional e internacionalmente pela célebre voz de Elis Regina. Além do profundo diálogo com as questões políticas e sociais de seu tempo, sua letra é marcada pela profunda expressividade artística de sua linguagem, um dos recursos usados à época para driblar a censura do regime.
Devido às investigações, às quais estavam submetidos os órgãos de informação e as obras de arte, as letras que possuíam conteúdo político recorriam a diversos modos de driblagem da censura política. Nesta música, o recurso é a expressividade da linguagem, em que aparecem figuras como a comparação e a personificação, onde as “nuvens” “chupavam manchas torturadas”, uma alusão clara às torturas e assassinatos cometidos pelo regime, como o covarde espancamento até a morte do diretor de jornalismo da Rede Cultura de Televisão, professor Vladimir Herzog, nas dependências do II Exército, em São Paulo, onde fora prestar depoimento.
A opção artística pela expressividade da linguagem pela via conotativa evita a objetividade, que levaria, certamente, a música à proibição pelos órgãos censores e à prisão dos compositores. No entanto, a opção por uma linguagem figurada não deixa de ser impactante, pois, nela, “a lua”, “a tarde” assumem um papel simbólico dos acontecimentos trágicos que ocorriam no plano político e social, que na música figuram no espaço celeste. A forma artística constrói-se, assim, como um espelho sócio-político.
Além disso, há uma alusão mais clara às “Clarices” e “Marias', que lembram respectivamente a viúva de Herzog e a mãe do cartunista, crítico do regime, Henfil, irmão do exilado político Herbert de Souza, o Betinho, fundador da “Ação da cidadania contra a fome”. O nome destas mulheres, postos assim no plural, seriam representativos de todas as mulheres, esposas, filhas e mães dos perseguidos pelo criminoso regime ditatorial que vigorou no Brasil e que foi jogado para debaixo do “tapete da impunidade” na redemocratização do país, ao contrário de outros países, como o Chile e a Argentina, onde generais e outros militares foram condenados, inclusive à prisão perpétua.
Portanto, esse acordo vergonhoso feito na redemocratização mostra a passividade da classe política que assumiu o poder, muitos remanescentes do velho regime, e que se tornaram, muitos deles, oportunistas e corruptos, e a falta de disposição da sociedade brasileira para passar efetivamente a limpo esse período histórico de “manchas torturadas", como diz a letra da música cantada por Elis Regina.
Elói Alves
Elói Alves
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Referências bibliográficas
Fausto, Boris. História do Brasil. Edusp, São PAulo, 2004.
http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/memoria-e-historia/exposicoes-virtuais/henfil
http://realcomarte.blogspot.com.br/p/gramatica-facil-do-portugues.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vladimir_Herzog
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Comparada pela FFLCH-USP prof. Edu Moreira: http://realcomarte.blogspot.com.br/2012/11/prefacio-de-as-pilulas-do-santo-cristo.html
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Sabe bem que gosto destas análises. A sua muito boa por sinal Eloi!
ResponderExcluirPerfeita e abrangente. Esta canção foi escrita logo nos dias que o Chaplin morreu.. Primeiro foi feita a música em si por João Bosco e depois a letra escrita por Aldir Blanc.
Você podia lincar aqui o vídeo do Youtube e uma foto da Elis e do João Bosco
Amei lê-la aqui.
Abraços.
Muito boa lembraça do genial Chaplin, Elisabeth; Há um link ai na "referência" com aletra e o vídeo da Elis; bjos gratos, pelos comentários sempre gents e profundos. Aqui vai o link de novo: http://www.youtube.com/watch?v=6kVBqefGcf4
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