Em nome de Deus e de El Rei, espanhois e portugueses, entre conquistadores e missionários jesuítas, saíram dos mares nas costas do Brasil para submeter os silvícolas à civilização e salvar suas almas do pecado. Esse povo pecador, que andava sem roupa, que vivia no regime da vadiagem, pescando e caçando, nadando e amando-se em redes balançadas pelo vento, recebeu espantado aquele povo “amigo” que subia do mar, como deuses, trazendo presentes em forma de caixinhas, onde podiam se ver, mais nítido que nas profundezas das límpidas águas dos seus rios e dos mares, onde nadavam e navegavam em canoas de tábua.
Eram feios, todavia! Traziam as roupas sujas e a pele manchada pelas doenças dos navios. Contavam que muitos haviam morrido em caminho, sugados pelos escorbutos, e entregues a Deus, primeiramente, e logo às águas fúnebres.
Depois dos banhos e de lavarem-se os vestidos, melhorou-lhes a aparência e tornou-se mais agradável o cheiro. Aos silvícolas, apesar de estranhos nos costumes, não se podia negar-lhes o esplendor da beleza. A altura, a cor, a pele, a agiliddae, a saúde. Mas eram, ainda assim, selvagens cujo maior bem que se lhes podia fazer era-lhes salvar as almas da promiscuidade, mais vil, mais adâmica, mais anticristã.
Depois de uns tempos, a amizade arrefeceu-se. Os índios não eram amigos de dominação. Viviam sua liberdade, sem ajuntar, nem guardar para o amanhã. Não se encaixavam no regime da racionalização colonial, nem da desciplina de uma vida atribulada na terra para ganhar um dia o paraíso. O paraiso era, para eles, a liberdade das matas, onde soava amigo o canto dos pássaros, dos rios transparentes, da bravura e do amor livre.
Muitos deles morreram em combate travado, em disputa desigual, entre a flecha e o canhão, entre o arco e as armas de fogo. No duelo das táticas tribais dos silvícolas e a experiência dos conquistadores, acumuladas em tantas cruzadas e dominações pelo oriente, exterminaram-se aquelas.
Do trabalho racional e organizado da colonização para fragmentação e divisão das tribos houve efeitos vários: Muitos fugiram para o mais fundo interior das matas, que é hoje a Amazônia; outros, desiludidos de sua braveza e orgulho, entregaram se à morte, estendidos em suas redes, do modo que só os indígenas o sabiam fazer; o resto, ocioso e perdido, tornou-se presa fácil, do ardil missionário, do poder dos colonos ou do encanto das novas bugigangas europeias.
Desses, alguns indígenas passaram a servir como remadores pelos rios que conheciam bem, como guias pelas matas onde nasceram e viveram seus pais, ou viraram arqueiros na luta contra franceses, holandeses e contra os Tapuias, índios que jamais aceitaram quaisquer pactos ou tipos de dominação. Outros se integraram nas missões jesuíticas, produzindo bens para a empresa de Deus, comandada pelos padres, cujo trabalho era mediar entre o índio e o colono. Muitas índias serviram como braço e pernas para o cultivo e para o divertimento inigualável dos brancos e para “encher e multiplicar” a nova terra, vindo daí os mamelucos, legítimos brasileiros, do cruzamento das filhas da terra com o europeu invasor.
Mas a tarefa de salvar era mais árdua que a de dominar_ seria mais fácil dominar o bravo e selvagem tapuia, comedor de gentes, que salvar sua alma ou domar sua mente. Os jesuítas reuniram, para isso, os índios dispersos de suas antigas tribos em missões, que eram as reduções. Mas os sacerdotes jesuítas não puderam salvá-los desse mdo: reunidos aos milhares, os indígenas foram vitimados por epidemias causadas por doenças trazidas nos corpos dos europeus, contra as quais o inocente organismo dos índios não possuia imunidade alguma. Morreram mais de suas pragas que dos canhões ou da exploração colonial. Na Bahia do século XVI, “uma só epidemia matou 40 mil índios”, reunidos pelos jesuítas com intuito de salvar suas almas (Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, 52).
A autoridade da civilização, porém, representada pela Igreja e pela Coroa, não permitiu aos eurpeus nenhum aprendizado nos contatos com os novos povos. O confronto genocida e etnocida exterminou diversas culturas e várias raças. A igreja só enxergou o pecado, de que era forçoso livrar, e o colono só achou vadios, que era preciso integrar no mundo da produção e do consumo. A beleza, a arte, a sociedade sem classes, a simplicidade e solidariedade, o amor ao seu modo, a liberdade sem extravios, a integração à natureza e a suprema lição da higiene e do banho, nada pode aprender o europeu.
Hoje Espanha e Portugal se diminuem cada vez mais no mundo. Portugal, considerado por outros europeus como um pequeno quintal do já minúsculo continente da Europa, vive terrível crise econômica. Igualmente se afunda a Espanha: longe de uma Alemanha, que lidera largamente, mesmo destruída em duas grandes guerras eurocidas, os espanhois, soberbos outrora, possuem apenas, como seu parceiro ibérico, apenas um passado de histórias e de riquezas mal conduzidas, como também a igreja há muito já não domina, como antes, as condutas e as consciências.
Elói Alves do Nascimento
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Postagens populares (letrófilo 2 anos 22/6)
-
Riquíssima em possibilidades interpretativas e uma das músicas mais marcantes que retrataram as terríveis ações do regime ditatoria...
-
Entre meus cinco e doze anos morei em mais de uma dezena de casas. Como não tínhamos casa própria e éramos muito pobres, mudávamos ...
-
O Brasil não tem monarquia, já há mais de cem anos, mas tem reis, diversíssimos, inumeráveis. E como um rei não vive com pouc...
-
Falo de uma notícia velha. Há alguns meses, faz quase um ano, os jornais deram a notícia acima, não exatamente com estas palavras...
-
Teresa e o namorado tinham ido ao cinema assistir Tudo vai bem na República de Eldorado. Quando saíram do estacionamento do shoppin...
-
Há dias que me nutre uma angústia, Poros adentro, formigando sutilmente Potência se fazendo pela ausência De tudo, de nada, de mim mesmo ...
-
"Um rei, longe de proprcionar subsistência a seus súditos, tira deles a sua" Rousseau, Contrato Social Acabo de vir...
-
Confesso a você que nunca fui fã de minha sogra. No início até que tentei. Fiz vários discursos, todos retórica e politicamente corr...
-
Prefácio para o livro Contos e Causos Notariais , de Arthur Del Guércio Neto, professor e jurista O presen...
-
Dona Maria morreu numa tarde em que as flores da primavera se abriam no imenso jardim das terras que ela herdara de seus antepassados e ...
Nenhum comentário:
Postar um comentário